Mudando para o Wayland

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Data de publicação: 21/03/2021
Rótulos: wayland

No meio de janeiro, meu computador decidiu me surpreender, e não de um jeito bom. Diferentemente de todas as peculiaridades que eu já estava acostumado nele depois desses 6 anos de uso — teclando falhando, tela piscando, saída de áudio com mal contato — dessa vez era pior, e nem era um problema de hardware.

No mínimo uma vez por dia, o computador travava completamente. A única ação que surtia algum efeito era segurar o botão de desligar para forçá-lo a desligar. Não exatamente o ideal...

Eu tive a idea de tentar entrar nele via SSH usando meu celular (ainda bem que o Termux existe) e isso funcionou. Eu listei os processos e vi xorg-server usando 100% da CPU. Eu matei ele, e o computador magicamente voltou à vida. Mas obviamente, já que eu acabei de matar a interface gráfica, todas minhas aplicações abertas foram pro saco, e basicamente dava na mesma do que eu ter reiniciado o computador.

Depois de três dias aguentando isso, tentando checar logs para depurar o programa, eu desisti do X.Org.

Certamente a maioria de vocês sabem sobre isso, e eu com certeza não sou qualificado para explicar, mas o X.Org, a aplicação que que serviu de base para as interfaces gráficas no Linux por muito tempo é uma grande bagunça. O seu código é muito difícil de manter, e a sua arquitetura apresenta problemas de segurança, tanto que uma nova alternativa surgiu vários anos atrás chamada Wayland.

A questão é que muitas aplicações hoje ainda dependem do X, o que também significa que mudar para o Wayland pode ser uma mudança não muito suave. Então apesar da mudança para o Wayland do ecossistema como um todo parecer inevitável, as pessoas ainda estão confortáveis o suficiente no X.Org por enquanto.

E eu também era uma dessas pessoas, até que o próprio X me deu um motivo para mudar. Esse problema provavelmente poderia ser investigado e consertado, mas por que gastar tempo com algo que vai entrar em modo de manutenção em breve? Enfim chegou a hora de eu dar uma chance ao Wayland.

Fazendo a mudança

Do meu ponto de vista, mudar para o Wayland significava basicamente instalar ele e mudar todas as aplicações que eu usava que dependiam do X, por equivalentes que funcionassem no Wayland. A principal sendo a interface gráfica em si, que no meu caso era o gerenciador de janelas i3.

Felizmente, já existe um gerenciador de janelas bem estabelecido que é compatível com o i3 para o Wayland, que é o sway, então essa mudança foi bem tranquila. Foi só questão de instalar o sway e mudar um pouco o arquivo de configuração.

O que ajudou bastante foi que a wiki do sway tem um guia de migração do i3, que não só mostra as principais mudanças necessárias na configuração do i3 para que ela funcione no sway, mas também uma lista dos programas Wayland equivalentes aos normalmente usados no X.Org.

Por exemplo, a definição e troca do layout de teclado, que normalmente é feita pelo setxkbmap no X, é integrada ao sway então eu apenas usei comandos input no config do sway para configurar os layouts possíveis e ter um atalho para alternar entre eles.

Ainda a respeito do teclado, eu me acostumei bastante a usar meu Caps Lock para duas funções distintas: ele funciona como Esc quando é pressionado sozinho, mas como Control quando é segurado enquanto outra tecla é apertada. Eu usava setxkbmap junto com xcape para fazer isso, mas claramente eles não eram opções no Wayland.

Quem me salvou foi o Interception Tools, que permite que o mesmo seja feito independente de estar no X ou no Wayland. Ele por si só apenas provê a estrutura, mas essa função de Control e Esc no Caps Lock que mencionei pode ser facilmente configurada usando o plugin oficial caps2esc.

Ah, e ele também pode ser combinado com outro plugin, space2meta, para usar a barra de espaço como espaço quando apertada, mas como a tecla Meta (o modificador no i3/sway) quando segurada. Eu já tinha experimentado isso no X usando o xcape mas eu acabava disparando atalhos do i3 sem querer, então eu parei de usar. Mas já que o space2meta é mais esperto e apenas manda a tecla no evento da tecla solta, é bem usável e vale a pena pelo maior conforto.

Uma pequena tangente: Se o caps2esc e o space2meta parecem loucura para você, eu realmente aconselho experimentar. Principalmente o caps2esc, já que ele não tem nenhuma desvantagem, sinceramente. Pense bem, você realmente usa tanto o Caps Lock? Não faz sentido mantê-lo na fileira central do teclado. Já o Esc e o Control são muito úteis, ainda mais se você usa Vim. Bom, voltando...

E o rofi, um menu de seleção, que eu uso para várias coisas diferentes? Também depende do X. Existe uma alternativa para o Wayland chamado wofi, mas eu não gostei dele. Senti que ele é um pouco lento e não sou fã de ele ser GTK (o ícone de lupa do lado do campo de entrada me incomoda bastante). Eu só quero um retângulo de um única cor com um título, caixa de entrada e as opções filtradas destacadas abaixo, e o rofi faz isso muito melhor. Por sorte, uma alma corajosa criou um fork do rofi para o Wayland e ele funciona sem nenhum problema. Praticamente...

Infelizmente a funcionalidade de troca de janela não funciona nele. E eu acho ela muito útil para pular diretamente para uma aplicação aberta, caso contrário eu preciso passar por todos os workspaces procurando por ela. Mas foi bastante fácil encontrar um script de troca de janela na internet, mas para o wofi, então eu apenas mudei ele um pouco para funcionar com o rofi e assim consegui meu script de troca de janela. E agora sim, um rofi perfeito no Wayland.

Capturar a tela com o maim também não era mais possível. A alternativa é o grim, e um programa separado, slurp, para permitir que uma região ou janela seja selecionada para a captura. Como um bônus interessante, como o README do grim mostra, é bem simples usá-lo, junto com o slurp e imagemagick, para obter a cor do pixel embaixo do mouse, então eu também configurei esse modo. Minha tentativa anterior de fazer isso com o maim falhou, então esse foi um bom bônus de ter mudado para o Wayland.

xclip obviamente também não funciona no Wayland. Então para continuar tendo um clipboard funcional, eu precisei instalar wl-clipboard. Mas isso não foi o suficiente para o Vim. Nele, operações no clipboard são feitas através do registrador +, por exemplo "+yy para copiar a linha atual para o clipboard, mas isso não funciona com o clipboard do Wayland. Eu cheguei muito perto de instalar o Neovim já que aparentemente isso funciona por padrão nele, mas eu encontrei o plugin de Vim vim-wayland-clipboard que funciona perfeitamente.

Uma coisa que eu não esperava que não funcionasse de cara era o compartilhamento de tela. Felizmente a página do PipeWire na Archwiki fornece instruções de como fazer funcionar, e é bem simples: apenas configurar uma variável de ambiente e instalar xdg-desktop-portal-wlr e pipewire-media-session. Dito isso, eu tive um problema depois de uma atualização no PipeWire, mas ao que tudo indica já foi resolvido.

Eu também mudei meu daemon de notificação do dunst para o mako. Mas pelo que vi, a partir da versão 1.6.0, o dunst também suporta Wayland, apesar de ainda não ter sido empacotado no Arch Linux. Mas eu sinceramente também estou satisfeito com o mako, então acho que vou continuar com ele.

Algumas outras mudanças que eu acho que não precisam de nenhum comentário adicional:

  • light ao invés de xbacklight para controlar o brilho da tela
  • gammastep ao invés de redshift para tornar a temperatura da tela mais agradável de noite
  • imv ao invés de sxiv como o visualizador de imagens

E finalmente, é importante mencionar o Xwayland. Ele é a aplicação que te permite rodar aplicações X no Wayland. Não funciona para tudo (caso contrário eu não teria mudado todas as aplicações anteriores), mas por exemplo para aplicações Electron e para a Steam e jogos funcionou perfeitamente até agora, tanto que é difícil saber que eles não são nativos no Wayland, o que é incrível. Se o Wayland quer ser o futuro, ele precisa permitir que as aplicações X atuais continuem rodando nele enquanto elas não são devidamente portadas para o Wayland.

Plot twist

Depois de todas essas mudanças eu estava totalmente estabelecido no Wayland, mas ainda sim aconteciam alguns glitches gráficos. De tempo em tempo, as aplicações começavam a piscar de jeitos estranhos e nada que eu fizesse fazia com que parassem, a não ser, claro, fechar o Wayland. Então eu estava essencialmente de volta ao ponto de partida, mas um pouco melhor já que nesse caso o computador não travava completamente, então eu pelo menos tinha chance de salvar tudo antes de reiniciar.

Felizmente, no meio-tempo eu recebi um computador novo da empresa em que estou trabalhando, o que foi ótimo dadas as peculiaridades do meu computador antigo. E já que eu já tinha me dado o trabalho de fazer a transição para o Wayland, eu instalei sway nesse novo computador também. E tudo funcionou perfeitamente. Sem problema algum.

Então, qual é a conclusão dessa história? O problema do congelamento/glitch gráfico era algo relacionado ao hardware do meu computador antigo e não no X em si, mas pelo menos isso me deu o empurrão que eu precisava para finalmente migrar para o Wayland. Sim, eu provavelmente poderia ter continuado no X no computador novo, mas isso seria apenas postergar o inevitável. O importante é que agora tudo funciona, e eu me sinto muito mais confortável em depurar e reportar problemas com a nova interface gráfica, dado que ela é bem mantida, caso eles aconteçam no futuro.